sexta-feira, fevereiro 18, 2011

Versinho

Mãezinha do céu
eu não sei rezar
só sei repetir
"nossa como tá quente hoje!"

quinta-feira, fevereiro 17, 2011

Adeus, Valentina!

Adeus, Valentina!
Antônio Barreto

Quando conheci Valentina ainda era tempo de gabirobas, tanajuras, figurinhas e seriado de Roy Rogers na tela do Cine Roxy, na “ardeia”. Eu já gostava de escrever poemas em papel de embrulhar pão, para os amigos apaixonados conquistarem mais depressinha suas inefáveis namoradas. Tudo no presente do indicativo. Assim, compartilhávamos do mesmo amor platônico, aquele que sentíamos, quase sempre, pelas mesmas meninas. Era um artifício: sem que ninguém soubesse, me declarava a elas pegando carona no meu próprio poema, que era, na verdade, “para o meu amigo”. E aquelas viagens de febre e insônia, nos tapetes voadores da paixão, assolavam nossa infância. Queimávamos por dentro o esplendor da relva que William Wordsworth, mais tarde, iria colocar nas cabeceiras de nossas camas. E se, na rua, a bola de meia sujava nossos dias com o suor das heróicas batalhas, em casa passávamos o amor a limpo. Sempre: um coração flechado no canto direito da página. E as trêmulas letras do cabeçalho: EU TE AMO.
Então, conheci Valentina, que chegou camuflada numa dessas tardes de primavera. Nesse tempo, eu já não sabia mais onde guardar a memória das coisas. Meu pai também fazia acrósticos, decorava dicionários, enquanto minha mãe cantava. Mas foi Valentina quem me ensinou, de repente, a respirar de um modo comprido. Na terra a gente pisa, mas é no ar que nos preparamos para as longas viagens. Devagar, ela me fez ver que o coração funciona melhor quando as mãos, os dedos, o cérebro e o pensamento pipocam de um jeito mais compassado, sem ânsias de pendurar verdades nas paredes do mundo. Esse que vem a reboque do que, no fundo, são os tijolos da mentira. E quase catando o milho dos sentimentos de ouro, no galinheiro das palavras mais bonitas de cantar, Valentina se sentou comigo debaixo da mangueira. E me soletrou as palavras-diamante, as palavras-pedra, as palavras-seda e as palavras-dor. E como sempre, sozinha, a palavra-saudade.
Um dia Valentina me mostrou também que um lenço, ou um papel em branco, agitado na estação do trem, não era gesto de adeus, mas desafio.
Algo ruiu por dentro de mim naquela despedida. Vim sozinho com os “eus” do outro que nela habitava. E fui, aos poucos, virando bicho urbano, um ser sem passarinho, sem formigas poliglotas, sem pescaria, sem gibi, sem matinê, sem vírgulas, sem namorada platônica e sem pecado. A saudade de Valentina, certa madrugada, adoeceu-me. E descobri que já não mais respirava pelo nariz, mas pelas reticências... Voltei para buscá-la. E com ela aprendi de novo onde colocar uma esquina, aquele olhar perdido do retrato, esse par de cotovelos esperando a chuva, as prováveis civilizações da Atlântida, as lendas que navegam numa mesa de bar, esses dois olhos negros mergulhados no vazio das luas suicidas, o menino que se arrasta pelo chão e quer que sua fome morda o rabo do cachorro, porque esse cheiro de outono úmido, quando e como essa mãe que chora, onde e por quem aquele cego procura, e essas quaresmeiras explodindo em tons de lilás os véus de noiva, no abril das tardes roxas de gás, em Belo Horizonte. E por que diabos eu ainda me levanto com essa frase, gravada nos lábios de Valentina: “Hoje é o dia mais feliz da minha vida!”
Daria tudo para resistir. Mas sou um homem fraco, reconheço. E ingrato. Sei que a indulgência é a maneira mais polida do desprezo. No entanto, Valentina já estava me deixando ultrapassado, analfabeto. Velha, ranzinza, caduca, o tempo nela ia timbrando suas marcas, e não tinha conserto. Alquebrada, já sofria de artrite nas juntas ressequidas, estalava como graveto seus longos e finos dedos, e a coluna: empenada. Pior: não entabulava mais coisa com coisa. Por isso nos separamos. Faz apenas uma semana, risquei Valentina de minha vida. Definitivamente.
Levado pelas mãos de amigos, conheci “a outra”. Fascinado, me enamorei à primeira vista por seu lay-out de mulher fatal, repleta de mistérios e outras coisas com as quais eu nunca havia imaginado: as curvas perfeitas, a voz dissimulada, insinuante, e o insaciável olhar de “quero mais”. Uma verdadeira “máquina”, de performance demoníaca.
É claro que daria tudo para sofrer de novo os mesmos percalços, os mesmos pesadelos e até os mesmos segredos inconfessáveis que mantive com Valentina. Mas sou um crápula: o tempo mudou, e “a outra” me seduziu com sua juventude. Nem sei ainda como ela se chama, ou se vai ficar para sempre. Só sei que tem mil maneiras de fazer um quarentão (que escreve por não saber modo melhor de amar ou de sofrer), se apaixonar.
Estou, irremediavelmente, perdido.
De noite, em suas entranhas de redes e labirintos – que se abrem como janelas que criam atalhos para outras janelas – configura à minha frente o estranho menu do novo mundo. Navego marinheiro de primeira viagem, sem memória do antes e do depois. E, com um pouquinho de culpa, vou tentando reorganizar os ícones existenciais que ficaram tatuados por dentro, na alma da velha companheira. Que ninguém os delete. Como deletaram os cinemas da minha aldeia, que viraram igrejas evangélicas. Mesmo porque, sempre haverá gabirobas e tanajuras por lá.
Adeus, Valentina!

quarta-feira, fevereiro 16, 2011

Zé do Pó


"Seu nome era José Paulo Virgílio, mas todos o conheciam como Zé do Pó. Nada a haver com esta droga de droga que hoje assola o mundo, simplesmente porque estava sempre como um molambo, sujo e cheio de pó. Bebum inveterado, não havia sequer um boteco na pequena cidadezinha onde ele não estivesse ou passasse. A "via sacra" começava de manhãzinha, Zé do Pó seguia pros botecos acompanhado das crianças que iam pro Grupo Escolar.

- "Hei pingaiada ... oh pinguço..." - Gritavam as crianças em coro e algazarra enquanto Zé do Pó de cabeça baixa e com um andar de solavancos seguia para seus destinos. Vez em quando, ele batia o pé, sem parar de andar, como que querendo assustar aos moleques que chegavam muito perto. Aquilo era festa para eles que provocavam mais ainda.

Na frente da escola, ele sempre levantava a mão como que acenando um tchau enquanto as crianças adentravam, sem antes deixar de novamente gritar e zombar com o bebum.

Todos os donos de boteco conheciam Zé do Pó que permanecia na porta até que alguém lhe trouxesse uma ou duas doses de pinga. Ele demoradamente olhava, cheirava, jogava um pouco no chão (a do santo) e degustava numa só "talagada". Muitos destes mantinham um copo exclusivo e personalizado (um pedaço de papel colado com fita adesiva ao copo).

Vez em quando, estes mesmos donos de botecos reservavam serviços marginais para que Zé do Pó fizesse. E ele fazia, sem questionar: cortava grama (com ancinho), limpava quintais, trocava telhas, assentava tijolos, lavava caixas dágua, etc. Não havia o que ele não soubesse fazer.

Zé do Pó andava mais de vinte quilômetros por dia em sua "via sacra" aos bares; quando chegava ao último, voltava repetindo o ritual e chegava em casa quase à noitinha quando ia cuidar de sua horta e varrer seu quintal.

Zé do Pó era conhecido também por gostar de velórios; se tinha um novo morto na cidade, ele se banhava (banho de gato) colocava sua melhor calça remendada, uma camisa feita com saco de trigo onde dava pra notar o decalque do Moinho Catarinense, um paletó azul-marinho que ficava com as mangas próximas a seus cotovelos, de tão curto que era e um sapato Vulcabrás 757 que deixava ver seu dedão do pé.

Nestas ocasiões, ele se sentava numa cadeira num canto da sala, mas sempre próximo ao defunto, onde alguém lhe servia fartas doses de cachaça e bolo de fubá. [Ainda hoje, é comum no interior de Minas o ato de ir "beber o morto", quando no velório se toma cachaça e come-se bolão de fubá].

Com o passar dos anos isto se tornou um costume na cidade, tanto que quando Zé do Pó não aparecia num velório, fosse de pobre ou da família mais abastada, iam buscá-lo de carro, charrete, carroça ou qualquer outro meio de transporte que a família tivesse. Quando uma vizinha morreu, seu filho foi buscar Zé do Pó numa bicicleta cargueira. Quando chegaram ao velório, ele estava com o nariz todo ensangüentado dos tombos que havia levado.

Lembro-me como se hoje fosse, o dia em que uma bomba destas de festas de São João estourou na minha mão quase me amputando os dedos. Quando cheguei a Santa Casa (hospital), o alarido era grande, pois Dona Geraldina, uma senhora muito conhecida e bemquista por todos, precisava de uma transfusão de sangue e poderia vir a falecer se isto não fosse feito. E devido às crendices não aparecia ninguém pra fazer a doação.

- "Eu vim fazer a doação de sangue que a Santa Casa está precisando." - Uma voz forte, bem articulada e grave vindo da porta da Santa Casa.

Era Zé do Pó, que como nos botecos, permanecia inerte e com a cabeça baixa, por detrás da porta de vidro. Esta foi a primeira e única vez que ouvi a sua voz.

- "Mas ocê num pode rapaiz, cê tá loco!!!" - disse uma das enfermeiras.

- "Eu vim pra fazer a doação." - Disse Zé do Pó com segurança e desta vez com a cabeça levantada. Neste ínterim chegou o Doutor Paulo, um dos dois grandes médicos da cidade naquela época:

- "Deixa o rapaz doar. A Santa Casa não está precisando de sangue? Então?" - Se dirigindo a enfermeira.

- "Ó Zé, você vai ter que ficar sem beber até amanhã, daí então você pode fazer a doação, está bem assim?" - Se dirigindo ao Zé.

A notícia se espalhou rapidamente pela pequena cidade, Zé havia permanecido toda a noite à frente da capela contígua à Santa Casa e quando foi doar, já nem mais necessitava pois praticamente todos os adultos foram fazê-lo.

Zé do Pó virou uma lenda viva com este pequeno e nobre ato, muito dele se falava. Diziam que danou a beber pois tinha tido um decepção amorosa quando foi morar em São Paulo, diziam que ele era engenheiro ou que era médico e tantas outras coisas que nunca foram confirmadas.

Um dia Zé do Pó foi buscar lenha e, por mais absurdo que possa parecer, cortou o próprio galho da árvore onde estava sentado. Zé do Pó ao pó voltou. A cidade toda foi a seu velório.

Cada vez que faço uma doação é dele, do Zé do Pó que me lembro. "

Fonte: http://www.mdig.com.br/

sexta-feira, fevereiro 11, 2011

Futebol - Postagem número 100 !

Tava eu na arquibancada da quadra da escola
aguardando meu filho fazer o teste com o canibal
Canibal é o apelido carinhoso do professor de futebol da escola
Então é isso eu tava lá esperando
E o testezinho durava 2 horas
de 18:30 até 20:30
sentado
na arquibancada dura
é isso.
Então no meio do treino começou o coletivo
Formaram-se times e tal e tudo mais
Ouvi um grito de um deles: "Nossa, mas que bomba!"
referindo-se ao chute forte do coleguinha
E eu, super desinteressado que sou em futebol, já comecei a devanear
e me perguntava qual bomba ou explosão
que sem controle,
provoca uma reação em cadeia que destrói o mundo todo?
Era fissão nuclear ou fusão nuclear?
E daí já mudei o pensamento para a conexão entre chutar forte e a palavra bomba
Me ocorreu que deveria ser bomba somente quando a bola explodisse com força no peito do goleiro
E lembrei que eu sempre fui goleiro e já ia desviar meus pensamentos quando, de repente:
- ISSO! Tem que meter a bola pro pivô que tá sozinho!
pufffffff, fui trazido de volta pro mundo real
Era um pai, que como eu, assistia ao treino
mas ele estava quase participando do treino tamanha era sua empolgação
Depois do grito voltei ao meu mundinho e pensei qual livro eu poderia levar para ficar lendo durante 2 horas da quarta e sexta que são os dias do treino
e pensei que tenho quatro livros sem terminar
e então:
- Vai gente! Cês deixam o cara livre ali ó!
Mas que cara idiota, pensei, gritando na minha orelha!
Eu tô ali alheio ao futebol, pensando nas minhas coisinhas do meu mundinho autista
e ele me interrompe aos berros como se fizesse parte do jogo
Me desconcentrei, olhei pra ele, e pensei em como uma coisa tão distante de mim consegue causar tanta emoção no outro
Avaliei a situação e lembrei-me que o cinema faz isso comigo
E que cada um é cada um e bla bla bla
- Presta atenção no jogo Eduardo!!!!!!
Mas que droga, eu não fico gritando no cinema, e também não quero entender que sou eu que estou no lugar errado, ele que contenha-se!
Então olhei pra ele furioso por dentro, mas ele sorriu de volta.
Cacete! Sorrir de volta desarma a gente.
Voltei aos meus pensamentos
Quando estava quase conseguindo ficar totalmente alienado aos gritos do pai doido eis que o sujeito me aborda:
- A turminha de verde (colete verde) é meio tímida no jogo né?
Aí não, aí não dá! Que fique com seus malditos interesses mas me envolver no jogo não. Não dá! Não tem jeito!
Respondi:
- É verdade, precisam se soltar mais.
Seja lá o que for isso que eu disse.
E emendei:
- Onde tem água por aqui? Vou caçar um bebedouro. Até mais.
Realocado na varanda do andar de cima da quadra, voltei ao meu mundo e meus pensamentos... Se a humanidade cresce sem parar, e se a cada nascimento um espírito reencarna no corpo, uma hora vão faltar espíritos e as pessoas vão ter que nascer sem alma... Ah, agora sim, feliz...