sexta-feira, fevereiro 13, 2009

064 - 13/02/2009 - Real

Acordou cansado e sonolento. "O quê? O que é isso?"
"Que... Que cheiro é esse?"
"Isso... parece mofo, cheiro de mofo... meu braço... eu não... o que é que está acontecendo? Por quê eu não enxergo nada?"
Quando se deu conta, estava confinado em um local escuro, pequeno e sem luz. Quase não havia ar suficiente e o pouco ar que ainda restava vinha com um forte cheiro de umidade. E flores. Cheiro de flores.
Abriu os olhos em vão. Tudo estava tão negro como antes.
Tentou mover-se mas não conseguiu.
E tão logo apercebeu-se do que acontecia veio o desespero. O coração disparado provocava o aumento da respiração e o ar ficou denso e pesado. As mãos suavam. Tentou mover-se novamente. Gritou.
Gritou novamente.
Gritou até que sentiu-se tonto e pensou que poderia gritar ali pra sempre, que ninguém iria ouvir.
Tentou pensar em algo mas o ar estava ficando insuportável e a cabeça girava. As pernas já sinalizavam o início de contrações involuntárias. E dolorosas. Queria lembrar-se de como havia chegado ali, mas era quase impossível, com o corpo inteiro reclamando suas necessidades. O peito doía e agora, a cabeça também. Forçou os braços para cima em uma tentativa inútil de mover alguma coisa, de acontecer qualquer coisa, de fugir, de escapar daquele inferno negro. Tudo em vão.
A respiração acelerada só piorava tudo e tentou acalmar-se. Lembrou-se de estar sentado no sofá da sala, de estar vendo tv e de ter dormido. Depois disso não recordava mais nada. Pensou em como tinha chegado ali, se havia morrido, se havia estado cataléptico, se havia sofrido um ataque, mas a cabeça já estava confusa demais e os pensamentos foram perdendo a lucidez.
E então veio a calma.
Uma sensação de paz, de tranquilidade, e dormência.
Um entorpecimento que o deixava leve, enquanto iniciava-se a inação de seus órgãos.
"Então é assim que se morre" pensou.
E deixou-se levar pela deliciosa sensação de morrer, o fim da vida animal.
Sem perdição, sem pesar.
Sem almas perdidas pelo pecado.
Simples assim.
E num último segundo, deu-se conta que morrer era isso, tão parte da vida quanto nascer...

Dali saiu para outro lugar, não sei exatamente onde, mas via-se que o corpo era, agora, apenas um corpo.

quarta-feira, fevereiro 04, 2009

063 - 04/02/2009 - O encontro

Tomei sol semana passada. Sim, porque se tomar sol no mesmo dia você fica com uma aparência ruim na pele, ressecada, sem brilho. E assim não gosto. Então cuidei-me de tomar sol, moderadamente, dias antes. Estava morena. Nem muito clara, nem muito escura. Olhei no espelho e gostei do que vi. Saí do banho e coloquei uma blusa branca, para contrastar, e um sutiã, bem discreto, porque se você quer conquistar um homem, você deve se vestir, para que ele, depois, queira te despir. Então assim me fiz. Cheguei até a janela, olhei minha barriga e minha perna e vi alguns pêlos brilhando. Pêlos branquinhos, invisíveis quase. A pele lisa, morena e com alguns pêlos mínimos, reluzindo com o reflexo do sol. Pêlos naturais. Voltei. Coloquei uma calcinha nova, branca também, para combinar com a blusa, no momento certo.
Perfume e uma calça jeans.
O salto não muito alto para não intimidar e não muito baixo para não parecer que me escondo. Soltei os cabelos. Mais um pouco do perfume na nuca. Batom e nada mais.
Não ia querer parecer diferente. Então somente um batom.
Encontrei-me com ele na porta de casa, que ao me ver desceu do carro e abriu a porta. Senti-me um pouco idiota com gesto tão elegante e antiquado. Mas não me importei, não estava ali para criticar. Estava ali para gostar, sentir e ser feliz.
Ligou o carro e partimos.
Eu não sabia onde iríamos mas deixei-me levar, e gostei da sensação de não estar no comando.
Falamos muito.
Rimos muito.
A música estava perfeita e até o cheiro do carro era bom.
Paramos na porta do teatro e aquilo me pareceu muito apropriado: Teatro, um jantar, uma noite, carinhos, sexo, tudo perfeito. Assistimos a peça e ri muito. Humor leve e descontraído. Homens interessantes te fazem sorrir. E deveriam fazer isso sempre. Adorei o teatro.
Depois fomos comer algo. Nesta parte sempre há um desencontro. As preferências são muito variadas. Fiz de conta que o que ele pedia também era meu prato preferido. Nada de estragar a noite. Comi pouco, saímos de novo. Rimos outra vez.
Conversamos sobre ir para algum lugar. Motel não. Hotel. Motéis tem um ar de 'viemos aqui só para transar'. Hotel não tem essa ansiedade.
Colocamos uma música calma e tomamos um vinho. Sem as cafonices que cercam este ritual. Bebemos sentados na beira da cama, rindo e falando sobre tudo. E sobre nada.
Até que ele me beijou. Depois do beijo, levantei-me e fui ao banheiro. Voltei em poucos segundos. Blusa branca e calcinha branca. Pele morena, lisa e perfumada. Ele olhou, assim como todo homem, para todas as curvas que estavam visíveis. Então tirou toda a roupa de uma vez só.
Estávamos em pé, eu o abracei e dançamos assim por alguns minutos, rindo muito do burlesco que era dançar pelado na frente do espelho.
Tomamos mais vinho, nos deitamos e nos abraçamos. O resto não foi tão mágico como o sonho que passava pela minha cabeça antes do encontro, mas não posso reclamar de nada. Foi carinhoso, foi gostoso, em alguns momentos foi safado, em outros foi ridículo. Mas mesmo que não tivesse sido bom, a noite antes do sexo fez tudo valer a pena.
Acho que estou apaixonada...

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Acordei tarde.
Dormi bastante pra não ficar cansado à noite. Finalmente ela havia aceitado meu convite pra sair e eu não ia desperdiçar a chance.
Não joguei bola aquele sábado. Nada ia me deixar menos qualificado naquele dia. Saí somente pra mandar lavar o carro. Lavei por dentro também para não fazer feio.
No final da tarde tomei um banho, vesti uma calça de pano, porque acho que calça jeans pega mal pra sair pela primeira vez, passei perfume e caprichei no desodorante sem perfume, pra não passar vexame e para não misturar os odores e sair parecendo uma loja do boticário.
Fui em uma casa de bebidas e comprei uma garrafa de whisky. Então fiquei pensando em algo que combinasse com whisky para beliscar. Quando você compra um vinho você pensa em queijo e quando compra cachaça pensa em algo gorduroso, mas e o whisky?
Eu não sabia o que comprar para combinar. Então vi em uma prateleira.
E resolvi meu problema com uma bandejinha de isopor de quibes. Num primeiro momento, whisky pareceu combinar com quibe. Até hoje eu não sei porque pensei isso.
Paguei e fui embora.
Encontrei-me com ela um pouco depois do horário e confesso que me atrasei de propósito para parecer desinteressado.
O whisky estava no banco de trás junto com a bandejinha de quibe mas achei melhor deixar aquilo ali mesmo e nem toquei no assunto. Eu já havia comprado ingressos para o teatro com antecedência, e funcionou. Ela gostou do teatro. Eu não assisti direito. Fiquei alternando os olhares entre ela e a peça. Valeu a pena porque ela gostou, por mim, pulava o teatro.
Depois fomos a um restaurante e comemos alguma coisa. Tentei pedir um prato imaginando o que ela gostaria, e, por sorte, acertei. Conversamos um pouco e aí pensei que já era a hora de ter aquela conversa que eu esperava. Chamei-a para ir a um motel mas ela preferiu hotel. Nem questionei.
Fomos para o primeiro hotel que achei e entramos.
Pedi um vinho para relaxar e até que foi legal porque ficamos conversando ali mesmo na beirada da cama, sem muita cerimônia. Só que eu já não estava aguentando mais e arrisquei um beijo. Ela aceitou e depois levantou-se para ir ao banheiro.
Preste atenção agora. Meu amigo, quando ela voltou, eu pensei: 'e eu querendo dar uma bandejinha de quibe pra ela...', minha nossa mãe do céu, o que que era aquilo.
Meus instintos animais saíram de seus estados adormecidos e fluíram por todo o corpo enrijecendo até a língua. Eu já estava pronto e fui logo tirando a roupa.
Então ela me abraçou e fez a coisa mais surpreendente que eu poderia imaginar: Começou a dançar comigo. Quem meu Deus, nessa hora, quer dançar? Mas segui o que parecia ser o ritual de aquecimento.
Foi constrangedor, mas foi bom. Depois disso tomamos mais um pouco de vinho e nos deitamos. E aí sim, aí nesta hora a terra parou. Eu não consigo nem descrever a magia e o êxtase de tudo que aconteceu. Não dá pra explicar o tamanho do prazer que eu senti. Foi demais. Ela era linda, e gostosa, e cheirosa, e tudo, e todos. E isso também, e aquilo também.
E apesar de todo aquele preparativo e teatro e jantar e fazer graça e dançar e coisa e tal, o sexo foi simplesmente bom demais. E toda a noite valeu a pena.
Acho que estou apaixonado por ela...