terça-feira, março 09, 2010

Aline tinha acabado de chegar na casa da amiga. Tocou a campainha. A mãe atendeu:

- Ei Aline, vamos, entre!
- A Lulu tá aí? Aline perguntou pela amiga enquanto entrava.
- Ela foi ao mercado com o pai dela e já volta. Mas o Davi está lá no quarto. Se quiser, fique lá com ele enquanto ela não chega.

Davi era o caçula da casa. Quando ela entrou no quarto ele estava vendo televisão, um daqueles desenhos que só as crianças daquela idade conseguem assistir.

- Ei Aline, você quer ver o desenho comigo? Você veio ver a Lulu? Ela não está. Ela saiu com meu pai, ela...

Crianças não tem aquele tempo vazio entre o cumprimento inicial e quando a conversa se instala. Para elas, quando você chega, já está lá desde sempre.

- Claro! Respondeu ela ajeitando-se confortavelmente na cama dele.
- Aline, você já viu meu carrinho novo? Sabia que meu pai vai me dar um jogo do guerreiro? Ontem na escola um menino me empurrou mas eu cuspi nele e a professora falou pra gente parar... Mas não tem problema não, eu estou lutando judô e eu derrubo ele com um golpe. A minha mãe falou que não é pra lutar na escola mas todos os meus amigos lutam um pouco. Sabia que amanhã não vai ter aula? Vai ter apresentação lá na escola. Eu não vou porque eu não quero, mas meu colega vai. Amanhã eu vou jogar mais video-game porque hoje eu só joguei pouco porque minha mãe não gosta que joga muito...

Aline ia respondendo calmamente que sim, que viu, que entendia, e ria e deixava-se levar pelos devaneios do pequeno Davi.

- Mas sabe, eu não posso mais comer muito chocolate porque engorda, e se eu ficar gordo não vou poder jogar futebol. E a Lulu falou pra mim que se eu ficar gordo não vou poder tomar mais Coca-cola, nem fanta, só comer alface e coisa ruim. Voce viu que vai passar desenho novo? Só que é domingo de noite, mas minha mãe deixa eu ver, mas depois eu tenho de dormir, e eu também tenho para-casa demais, a professora sempre passa muito...

Os olhos de Aline estavam se fechando. O sono vinha chegando devagarinho enquanto escutava a voz animada que não parava de falar nunca mais.

- No Natal eu quero uma espada enorme, bem enorme. E uma bola também. Igual a bola da copa, sabe, com aquele desenho que tem nela. Quando eu crescer eu vou ser jogador de futebol e piloto aí quando eu não quiser jogar bola eu posso ir na corrida de carro e...

Aline já não ouvia mais. Adormeceu embalada pela voz constante e ritmada.
Ele ainda falou por mais algum tempo, até que percebeu que ela estava dormindo. Então saiu do quarto e foi direto até sua mãe.

- Mãe! Mããe!! Mãããee!!! Gritou.
- O que foi Davi?
- Mãe, a Aline gosta muito de mim.
- Eu sei meu filho, claro que gosta.
- Não, ela gosta muito, muito mesmo. Até o céu!
- Hum? O que ela te disse?

- Ela não disse nada. Ela dormiu enquanto eu estava falando com ela. Você não me coloca na cama pra dormir e fica falando e contando história pra mim? E eu gosto tanto de você que eu durmo né mãe? E ela dormiu igual eu, quando você fica falando comigo, então ela gosta muito de mim de verdade!

Lulu chegou do supermercado e encontrou a amiga dormindo enquanto Davi corria feliz pela casa. Sua mãe estava na sala, chorando, mas parecia feliz. Era um choro feliz.

quinta-feira, março 04, 2010

Ser feliz...

A gente vem ao mundo sem saber que vai ter que ser feliz
A gente nasce assim puro de sentimentos
Não sabe que ser infeliz é ruim
E que ser feliz é bom
Então alguém tem que vir até a gente e mostrar o lado "bom"
Porque ser feliz é bom
Então você aprende desde pequenininho, que você deve ser feliz
Não, você não pode ser infeliz, porque ser infeliz é ruim
E você precisa dar valor às coisas boas
Você precisa acreditar
Você precisa saber que ser feliz é que importa

E você começa a crescer, e começa a ver que a felicidade não é bem assim
Não é como você aprendeu, que não dá para ser feliz e pronto
Só querer ser feliz não te torna feliz
Então você aprende a segunda lição, que você deve fazer coisas que te deixam feliz
Porque assim você fica feliz por mais tempo
Já que apenas querer ser feliz não te resolve mais
E você brinca, você namora, e você aproveita a vida com amigos, você vai em festas, e curte a família
Você ocupa todo o seu tempo com o maior número possível de coisas que te deixam feliz

Então você cresce mais
E, mais uma vez, percebe que não é feliz
você "ficou" feliz, mas não "é" feliz
Você se atira ao trabalho
Você faz carreira, e viaja, e ganha bônus, elogios e recomendações
Você cria uma família e ela te deixa feliz
Vê seus filhos crescendo e eles te fazem feliz
Eles brincam, crescem, erram e acertam
Sua família é boa
e você está feliz

Então você cresce mais
E seus filhos te dão muitas alegrias, mas em algum momento você não é feliz
E seu casamento te dá alegrias, mas não te deixa feliz o tempo todo
Seu trabalho é estável, não tem surpresas, mas não é mais o mesmo
Você então pensa que a felicidade está ficando longe
Pensa que você errou em algum ponto pois deveria estar se sentindo melhor

Pensa que não aproveitou a vida pois estava ocupado buscando a felicidade

Você vê que se não estivesse tão preocupado em ser feliz
Talvez, e por isso mesmo, tivesse sido mais feliz
Você fica olhando para a frente
Para o futuro
E não sabe onde está o "ser feliz"

E então você descobre que tudo que fez, que tudo que te deu a sensação de estar feliz
Tudo isso
Foi compartilhado com alguém
Nada foi sozinho
Nada foi só seu

Você nunca esteve feliz sozinho

E você começa a perceber que ser feliz, não é uma propriedade sua, não é algo que você tem dentro de você
Ser feliz é sentir-se feliz, durante o tempo em que isso for possível
É aproveitar o instante de felicidade

Você vê também que ser feliz depende de mais alguém
E que você sempre procurou no lugar errado
Sempre procurou em si mesmo
Como sempre ensinaram
A procurar no seu íntimo, seu interior, seu bla bla bla
Grande besteira

Você entende então que a felicidade está no outro, e que você precisa dele para estar feliz
Que a felicidade é ter compartilhado com mais alguém
Que a felicidade, é, então, o outro.

A felicidade é o outro.

E você conclui que ainda há tempo para procurar os outros, procurar a verdadeira felicidade, encontrar aquilo que buscou a vida inteira nos lugares mais errados, impossíveis e improváveis.
E era tão simples
Tão fácil...
Tão acessível...

A felicidade é estar com o outro...
Que ironia.