quarta-feira, julho 04, 2007

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O chão era um quadrado, mas não com as quinas que tem todo quadrado. Era como se as quinas fossem cortadas e fosse feito um desenho em forma de ferradura religando as laterais. O chão então era um quadrado não muito grande e no local onde deveriam ser as dobras estavam outros pequenos cômodos, no formato de uma ferradura. E eu deveria ficar ali, no cômodo pequeno, em uma das pontas, em pé, olhando para o centro do quadrado.
Me disseram para ficar ali, mas eu não quis ficar, e então saí.
Algum tempo depois conheci uma pessoa no navio em que estávamos e que acabou tornando-se um amigo. Ríamos muito mas tínhamos nossas brigas. E uma delas foi muito séria. E foi nesse dia que aconteceu o pior. Meu amigo disse coisas que não se deve dizer, nem pensar, e que me magoaram muito. Desci para o porão do navio, um lugar apertado, frio, úmido e pequeno. Era um navio velho, daqueles em que as madeiras rangem. Bebi muito e então adormeci.
Quando acordei meu amigo estava na escada e gritava chamando os outros. Levantei-me e fui em sua direção mas ele não me olhava e apontava para o canto onde eu estivera dormindo, pouco antes de levantar. Seu rosto estava transformado e tomado pelo pânico. Eu olhava em seus olhos e pude ver quando ele disse que ele deveria estar morto. Quem será ele? Pensei. Olhei para o chão, para onde ele apontava, e me vi ali, parado, inerte. Mas aquele sou eu! E era. Eu estava na escada, mas já não me via. Sabia somente que de alguma forma eu me sentia em pé, na entrada do porão, e ao mesmo tempo me via no chão, um pouco mais à frente.
E novamente o chão era quadrado. E eu estava de pé na borda do quadrado, no cômodo pequeno, olhando para o centro. Disseram-me que eu deveria ficar ali, enquanto aguardava minha vez. Mas eu não quis ficar, e então saí.
Conheci uma menina por quem me apaixonei. Contava com pouco mais de vinte anos e tudo corria muito bem. Até que um dia ela me chamou. Disse que o tempo passou e que as coisas mudaram. Que seria injusto continuar comigo. Que eu estaria entregando todo o meu amor para alguém que não me amava. Não havia mais volta, dizia ela. Estava terminado. Não consegui suportar a dor. Fechei a porta do quarto e chorei até adormecer. No outro dia levantei melhor, caminhei até a janela e olhei para baixo. Vi a enorme multidão. Havia uma ambulância e muito barulho. E então eu me vi.
De novo o chão quadrado. Eu em pé, no cômodo pequeno. Em silêncio. Olhando fixo para o centro.
Disseram para eu ficar e esperar. Resolvo que dessa vez vou esperar.
Mas não consigo.
Saio do cômodo pequeno mas não vou embora. Caminho para o centro do quadrado.
Olho para cima, na direção do teto e há uma porta. Está aberta, mas eu não subo.
Dou um giro para ver as quatro entradas, uma em cada ponta do quadrado.
O meu cômodo está vazio e existem outros três. Outras pessoas estão ali, paradas, em pé, olhando para o centro, e neste momento, também olhando para mim.
Há uma placa na entrada de cada cômodo.
Em todas elas está escrito a mesma coisa. Não me esforço para ler, não quero ficar ali.
Então um anjo se aproxima, e gentilmente me pede para que volte ao meu cômodo e aguarde.
Estou cansado demais para dialogar, e resolvo caminhar de volta.
Para o meu cômodo, para o silêncio.
Para o eterno olhar fixo em direção ao centro do quadrado.
Para a longa espera.
E enquanto caminho para a borda ainda consigo ler rapidamente aquela placa.
"Sob cuidados especiais"
E na linha de baixo
“Suicida”

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