Outro dia machuquei meu joelho e já nem me lembro como foi. No dia seguinte o Demis me deu um aerosol para dores musculares.
- Como se usa isso?
- Aperta e joga sobre a parte machucada...
- Só isso?
- É. Vai esfriar um pouco, esquentar e aí acaba.
- Valeu.
Em casa troquei de roupa e fiquei imaginando como seria aplicar aquilo. Nunca usei spray assim... Como será? Puxei a bermuda para cima, mirei bem, pressionei o bico e fui borrifando em volta do meu joelho. Fiz um círculo, depois "preenchi" o meio, tendo o cuidado de não deixar nem uma parte sem o remédio. Outra volta, um pouco atrás da perna, dos lados e mais uma camada para encerrar. Pronto.
Cinco minutos se passaram.
Dez minutos.
- Cláudia, o Demis disse que ia gelar, esquentar, uma coisa assim mas até agora nada...
- Você passou direito?
- Acho que sim.
- Bem,...
- Espera... está começando a ficar frio... isso, está ficando frio agora... nossa, como gela...
Quinze minutos mais.
- Cláudia... a perna... o joelho... sabe... tá queimando muito...
- É? E aí?
- Tá queimando mesmo... Nossa... tá ficando insuportável isso... Nossa...
Vinte minutos.
Começo a andar pela sala, desnorteado, mãos na perna, que queimava como gelo na pele, aquela queimação que só o frio bem frio sabe fazer. Cláudia, Diego, Gabriel e Davi, parados, me olhando. Eu ali, a dor aumentando, o joelho vermelho e inchando, eu sentava e levantava, não sabia o que fazer.
Quarenta minutos.
Não resisti e as lágrimas vieram.
Um pouco mais tarde a dor diminuiu.
Cláudia estava na internet, com o Demis, o dono do ácido, argumentando sobre o que poderia ser feito.
- Cláudia, está parando...
No outro dia fico sabendo que deveria ter aplicado somente um único jato sobre o joelho.
Viro piada em casa e no trabalho.
Aquilo que parecia ser uma fogueira sobre minha perna foi esquecido.
O mico não.
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Nove dias depois...
Sábado, em casa eu, Cláudia, Diego, Gabriel e Davi. Homens jogando cartas, mulher na internet, em ritmo alucinante, numa sequência interminável de posts no blog.
Viramos a noite.
Homens jogando.
Mulher numa loucura desatada postando no blog num ritmo frenético desvairado.
Seis horas da manhã paramos tudo. Fim do jogo. Fim dos posts. Cartas guardadas.
O notebook suava e era quase possível ouvir ele dizendo: mulher doida...
Quando estava quase dormindo, ali entre o consciente e a hora em que segredos são revelados, o inesperado aconteceu.
Um mosquito.
Um único mosquito.
Um único maldito e excomungado mosquito.
Parecia que estava no quarto desde o dia anterior. Esperando para dar um rasante bem perto do ouvido assim que deitássemos.
Uma espécie de retaliação, dos amigos dos mosquitos que comi na ilha.
Mandaram o deus dos mosquitos. O melhor.
E então depois de muitas tentativas desisti. Levado pelo cansaço, adotei uma solução radical e um tanto quanto diferente. Levantei-me, fui até o banheiro, enchi a banheira com água morna, vesti uma sunga, entrei, deitei, apoiei a cabeça na borda e fui dormir.
Ahhhhh.... sim, o sono finalmente...
Mas ainda não passava de nove horas quando a Cláudia entrou no banheiro.
- Wander... o mosquito, o maldito e excomungado mosquito...
- Eu sei, vou sair daqui, vamos lá embaixo tomar um café.
Assim, nos apoiando mutuamente, fomos trocar de roupa enquanto reclamávamos sobre o transtorno causado por tão inescrupulosa criatura. Elemento amaldiçoado, repugnante. E sem sentimentos.
Odeio você, mosquito.
Tirei a toalha, vesti uma bermuda e botei a camisa sobre a cama.
Quando terminei de passar o desodorante, e no momento em que esticava o braço para guardá-lo, tive um visão daquilo que me parecia ser o pior dos infernos... horrível.
Torcendo para estar enganado, olhei primeiro para o armário.
Mas eu estava certo.
E numa última tentativa, olhei para minha mão de novo.
E eu realmente estava certo.
- Cláudia...
Eu já começava a sentir os efeitos.
- O spray...
E foi então que ela entendeu que, naquele momento, eu havia aplicado, debaixo dos dois braços, e logo após sair do banho quente, a maior quantidade de spray para dores musculares que um ser humano já usou em toda sua existência.
O aerosol. É, o do joelho.
Corri para o banhheiro, entrei no chuveiro e joguei água, mas era tarde.
Primeiro o calor...
Corri para a cama, deitei com os braços estendidos para cima. Em vão.
Depois o frio...
A Cláudia no chão, deitada, quase morrendo, de tanto rir...
O suor frio...
Eu recordava meu joelho.
A vermelhidão...
Enquanto isso a Cláudia se contorcia, não de dor, mas de tanto rir...
foi quando começou a queimação...
O resto foi apenas dor. Muita dor.
E lágrimas.
...
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Eu ainda teria pensado que o domingo não foi de todo ruim se logo após ter descoberto o signifcado de axilas efervecentes eu não tivesse caído com as costas sobre o braço da cadeira da sala.
"Passa o spray..." foram as palavras do Diego.
...
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Semana que vem, quando eu estiver melhor, farei uma fogueira na ilha, bem grande, monumental.
E vou entoar cânticos e bailar em volta do fogo.
E como que em um transe hipnótico vou chorar de felicidade enquanto me despeço e atiro sobre as chamas: o spray, o mosquito, o Diego.