Aline tinha acabado de chegar na casa da amiga. Tocou a campainha. A mãe atendeu:
- Ei Aline, vamos, entre!
- A Lulu tá aí? Aline perguntou pela amiga enquanto entrava.
- Ela foi ao mercado com o pai dela e já volta. Mas o Davi está lá no quarto. Se quiser, fique lá com ele enquanto ela não chega.
Davi era o caçula da casa. Quando ela entrou no quarto ele estava vendo televisão, um daqueles desenhos que só as crianças daquela idade conseguem assistir.
- Ei Aline, você quer ver o desenho comigo? Você veio ver a Lulu? Ela não está. Ela saiu com meu pai, ela...
Crianças não tem aquele tempo vazio entre o cumprimento inicial e quando a conversa se instala. Para elas, quando você chega, já está lá desde sempre.
- Claro! Respondeu ela ajeitando-se confortavelmente na cama dele.
- Aline, você já viu meu carrinho novo? Sabia que meu pai vai me dar um jogo do guerreiro? Ontem na escola um menino me empurrou mas eu cuspi nele e a professora falou pra gente parar... Mas não tem problema não, eu estou lutando judô e eu derrubo ele com um golpe. A minha mãe falou que não é pra lutar na escola mas todos os meus amigos lutam um pouco. Sabia que amanhã não vai ter aula? Vai ter apresentação lá na escola. Eu não vou porque eu não quero, mas meu colega vai. Amanhã eu vou jogar mais video-game porque hoje eu só joguei pouco porque minha mãe não gosta que joga muito...
Aline ia respondendo calmamente que sim, que viu, que entendia, e ria e deixava-se levar pelos devaneios do pequeno Davi.
- Mas sabe, eu não posso mais comer muito chocolate porque engorda, e se eu ficar gordo não vou poder jogar futebol. E a Lulu falou pra mim que se eu ficar gordo não vou poder tomar mais Coca-cola, nem fanta, só comer alface e coisa ruim. Voce viu que vai passar desenho novo? Só que é domingo de noite, mas minha mãe deixa eu ver, mas depois eu tenho de dormir, e eu também tenho para-casa demais, a professora sempre passa muito...
Os olhos de Aline estavam se fechando. O sono vinha chegando devagarinho enquanto escutava a voz animada que não parava de falar nunca mais.
- No Natal eu quero uma espada enorme, bem enorme. E uma bola também. Igual a bola da copa, sabe, com aquele desenho que tem nela. Quando eu crescer eu vou ser jogador de futebol e piloto aí quando eu não quiser jogar bola eu posso ir na corrida de carro e...
Aline já não ouvia mais. Adormeceu embalada pela voz constante e ritmada.
Ele ainda falou por mais algum tempo, até que percebeu que ela estava dormindo. Então saiu do quarto e foi direto até sua mãe.
- Mãe! Mããe!! Mãããee!!! Gritou.
- O que foi Davi?
- Mãe, a Aline gosta muito de mim.
- Eu sei meu filho, claro que gosta.
- Não, ela gosta muito, muito mesmo. Até o céu!
- Hum? O que ela te disse?
- Ela não disse nada. Ela dormiu enquanto eu estava falando com ela. Você não me coloca na cama pra dormir e fica falando e contando história pra mim? E eu gosto tanto de você que eu durmo né mãe? E ela dormiu igual eu, quando você fica falando comigo, então ela gosta muito de mim de verdade!
Lulu chegou do supermercado e encontrou a amiga dormindo enquanto Davi corria feliz pela casa. Sua mãe estava na sala, chorando, mas parecia feliz. Era um choro feliz.