Já faz algum tempo que comecei a guardar só para mim meus sentimentos mais intensos. Justamente aqueles que deveriam ter sido entregues a quem os provocou. Todo aquele amor e todo aquele ódio transformando tudo em mim. Com um peso enorme. Aquilo tudo se acumulando, uns sobre os outros, desordenados, sufocados, e não vividos. A vida passando, as coisas acontecendo e eu ali, incapaz de aproveitar, com medo de perder, qualquer mínima sensação que fosse, boa ou ruim, qualquer coisa.
Agora estou abrindo o portão. E não sei bem o que vai sair de lá. Talvez um menino. Um menino triste, pequeno, com os olhos virados para baixo, tentando não cair, pedindo colo, talvez chorando, ou rindo quem sabe, afinal foi libertado. Aquele menino, incapaz de fazer o mal, aquele menino que amava sua avó, que ouvia suas histórias e acreditava nelas.
Agora solto. Livre.
Talvez para crescer, talvez para reparar todos os danos causados a tantas pessoas, não por maldade ou por vontade, mas por medo.
Por insegurança.
Talvez esse menino tenha mesmo que crescer. As coisas são assim. E serão sempre assim.
Há um quarto escuro e é preciso caminhar. Hoje já é possível ver as mãos estendidas, esperando para ajudá-lo a sair.
E tem a luz lá fora.
E já não há medo.
Seja bem-vindo ao mundo pequena criança.
Não se preocupe mais. Está tudo bem.
Seja feliz. Você merece.